quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Um dos preferidos


Este é talvez o livro que li mais vezes. Se tivesse tempo voltaria a fazê-lo outras tantas e não me cansaria.

No passado ano lectivo usei uma das suas crónicas para um trabalho que deixo aqui.



Sequência textual Prototípica

As características gerais dos textos possibilitam a criação de protótipos textuais que nos permitem distinguir os diversos tipos de textos: narrativo, descritivo, argumentativo, expositivo-explicativo, injuntivo-instrucional e dialogal-conversacional.
É a partir destes protótipos textuais, organizados de forma sequencial tendo em conta a intenção do autor e o objectivo que pretende alcançar junto dos seus leitores, que se organizam os textos. Na perspectiva de Jean-Michel Adam (cit. por Coutinho, 2003), “os tipos de texto correspondem de forma explícita, a tipos de sequências” (61). Pondo “em destaque a complexidade do objecto textual” (74) refere que “a sequência é formada por macroproposições, constituídas, por sua vez, por n proposições; trata-se, pois, de uma unidade composicional, constituinte do texto, entendido ele próprio, como uma estrutura hierárquica composta de sequências.” (140) A formulação de Adam já havia sido apresentada por Van Dijk de quem interessa destacar:
§ Que a noção de sequência, indissociável da de macroestrutura, corresponde a uma estrutura hierárquica que organiza a informação;
§ Que é possível falar de sequência como unidade e como texto. (Coutinho, 2003).
Sequências textuais prototípicas definem-se como abstracções formuladas a partir de um conjunto de características formais relativas ao modo como as frases se organizam em textos.

O texto escolhido para ilustrar o trabalho, Períodos de céu muito nublado, é uma crónica de Miguel Sousa Tavares e foi retirada do livro Não te deixarei morrer David Crockett, do mesmo autor (2001). Derivado do latim Chronica e do grego Khrónos a crónica, inicialmente, tinha como fim registar acontecimentos históricos e a sua ordem cronológica. No século XIX, com o desenvolvimento da imprensa periódica, a crónica especializa-se e, com o contributo dos homens de letras, passa a situar-se entre o jornalismo e a literatura. Miguel Sousa Tavares é um escritor, jornalista, cuja escrita me atrai particularmente, contrariamente à sua figura e à sua personalidade visível. Gosto da sensibilidade da sua escrita e da forma como traduz os sentimentos e as emoções.
Períodos de céu muito nublado é fundamentalmente uma sequência narrativa interrompida por uma sequência descritiva, no segundo parágrafo, e por uma sequência argumentativa, no quarto parágrafo, onde o autor expõe sentimentos e interpela o leitor levando-o a reflectir sobre os prós e os contras da necessidade de estar só.
Na sequência narrativa, (no primeiro, terceiro e quinto parágrafos) verificamos marcas da acção do sujeito: “eu virei à esquerda …Procurei em vão…Cheguei à sua margem…e lembrei-me do que há muito tempo atrás lera”, e ainda, “a unidade temática assegurada pelo sujeito que protagoniza” a narrativa, assim como o“ desenrolar de um conjunto de eventos que se sucedem no tempo” (Silva, 2005).
Sequência descritiva (2º parágrafo): aqui o autor dá-nos um retrato do espaço que descreve como a “Piazza Navone…onde o sol desaparece nas tardes de Abril… Roma era translúcida sob a luz da Primavera” e também do seu estado de espírito “fascinado”pelo “movimento dos dedos das mãos da minha mãe”.
No âmbito da tradição retórica, a descrição era conotada como elemento ornamental, integrado no discurso narrativo. Hamon, Adam e Petitjean, nos seus trabalhos em Semiótica Narrativa e Linguística Textual, reabilitaram o valor do texto descritivo.
Na sequência argumentativa, demonstrada no quarto parágrafo, temos o par argumento/conclusão, “ através do qual o locutor apresenta razões ou provas de modo a que o interlocutor aceite aquilo que ele defende” (Pereira, 2009): “Não há nenhum viajante solitário que não sonhe com uma Penélope à sua espera”.
Miguel Sousa Tavares, em jeito de introdução, explica a escolha do título do livro “o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros” e também o que o levou à selecção das crónicas nele reunidas: a “ procura continuada de uma fidelidade à memória, que é, para mim, um mandamento de vida”.

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