sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Vida de sabonete

Era um sabonete novo, fresquíssimo, por estrear. Nunca tinha tomado banho. Naquela gaveta de drogaria, onde ele, junto com muitos outros colegas, aguardava a vez de ser vendido, já tinha perguntado, ainda que timidamente: - Afinal, para o que é que eu servi? - Serves para lavar e perfumar - respondeu-lhe um velho sabonete de alcatrão, muito sabedor das coisas da vida. - Vais dar banho, tomar banho... Descansa que o que te espera vai ser bom. Um sabonete para a caspa, ou melhor, contra a caspa, acrescentou: - Mas tudo o que é bom também acaba. Era o rezingão do grupo. O sabonete novo teve a oportunidade de confirmar as previsões do velho sabonete. Tudo aconteceu como ele dissera. Deu banhos e tomou banhos, escorregou vezes sem conta pelo mármore polido da banheira, conviveu com esponjas, escovas macias e conheceu da anatomia do corpo mais do que um pintor de nus. Mas, redondo que tinha sido, estava agora delgadito. Ainda foi parar à beira de um lavatório, a par de outros tão magros quanto ele. - Somos, agora, sabonetes de lavar as mãos - avisaram-no os companheiros. Até ver... Tudo o que é bom também acaba. Lá estava o aviso, de novo a insinuar-se, a dar que pensar. Ele e os outros da saboneteira foram-se desfazendo em espuma. ?Tudo o que é bom também acaba". O sabonetinho, que tinha sido novo, começava a perceber. Até que veio um menino que queria fazer uma caldeirada. No dizer desse menino ?caldeirada" era juntar, numa tigela, sobras de sabão e de sabonetes, acrescentar água, remexer com uma cana e, depois da calda pronta, soprar por um canudo bolas de sabão. Subiram pelo ar, atraídas pela luz rolaram, soltas, leves, felizes, grandes e pequenas bolas de sabão, como gotas ou lágrimas do arco-íris. Voaram, perderam-se pelo azul do céu... Tudo o que é bom também acaba. Mas, às vezes, acaba bem.


Por António Torrado Cristina Malaquias, 30 de Setembro de 2009

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